quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Encontro




Desde o tempo sem número em que as origens se elaboram,
se estendem para mim os seus braços eternos,
que um estatuário de caminhos invisíveis
construiu com a cor e o frio e o som morto de mármores,
para que em teu abraço haja imóveis invernos.

Tu bem sabes que sou uma chama da terra,
que ardentes raízes nutrem meu crescer sem termo;
adestrei-me com o vento,e a minha festa é a tempestade,
e a minha imagem,como jogo e pensamento,
abre em flor o silêncio,para enfeitar alturas e ermo.

Os teus braços que vêm com essa brancura incalculável
que de tão ser sem cor nem se compreende como existe
-são os braços finais em que cedem os corpos,
e a alma cai sem mais nada,exausta de seu próprio nome,
com uma improvável forma,um vão destino e um peso triste.

Pois eu,que sinto bem esses teus braços paralelos,
na atitude sem dor que é o rumo e o ritmo dessa viagem,
digo que não cairei com uma fadiga permitida,
que não apagarei este desenho puro e ardente
com que,de fogo e sangue,foi traçada a minha imagem.

Eu ficarei em ti,mísera,inútil,mas rebelde,
última estrela só,do campo infiel aos seus escassos.
E tu mesma achará pasmos de lagos e areias,
diante da forma exígua,sustentada só de sonho,
mantendo chama e flor no gelo dos teus braços.

Cecília Meireles