sábado, 28 de janeiro de 2012

Languidez



Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!…
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar…

E a minha boca tem uns beijos mudos…
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar…

Florbela Espanca

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Encontro




Desde o tempo sem número em que as origens se elaboram,
se estendem para mim os seus braços eternos,
que um estatuário de caminhos invisíveis
construiu com a cor e o frio e o som morto de mármores,
para que em teu abraço haja imóveis invernos.

Tu bem sabes que sou uma chama da terra,
que ardentes raízes nutrem meu crescer sem termo;
adestrei-me com o vento,e a minha festa é a tempestade,
e a minha imagem,como jogo e pensamento,
abre em flor o silêncio,para enfeitar alturas e ermo.

Os teus braços que vêm com essa brancura incalculável
que de tão ser sem cor nem se compreende como existe
-são os braços finais em que cedem os corpos,
e a alma cai sem mais nada,exausta de seu próprio nome,
com uma improvável forma,um vão destino e um peso triste.

Pois eu,que sinto bem esses teus braços paralelos,
na atitude sem dor que é o rumo e o ritmo dessa viagem,
digo que não cairei com uma fadiga permitida,
que não apagarei este desenho puro e ardente
com que,de fogo e sangue,foi traçada a minha imagem.

Eu ficarei em ti,mísera,inútil,mas rebelde,
última estrela só,do campo infiel aos seus escassos.
E tu mesma achará pasmos de lagos e areias,
diante da forma exígua,sustentada só de sonho,
mantendo chama e flor no gelo dos teus braços.

Cecília Meireles

sábado, 3 de setembro de 2011

Ainda que mal



Ainda que mal pergunte, 
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda, 
ainda que mal repitas; 
ainda que mal insista, 
ainda que mal desculpes; 
ainda que mal me exprima,
 ainda que mal me julgues; 
ainda que mal me mostre,
 ainda que mal me vejas; 
ainda que mal te encare, 
ainda que mal te furtes; 
ainda que mal te siga, 
ainda que mal te voltes; 
ainda que mal te ame, 
ainda que mal o saibas; 
ainda que mal te agarre, 
ainda que mal te mates; 
ainda assim te pergunto 
e me queimando em teu seio,
 me salvo e me dano: amor.
Carlos Drummond de Andrade