quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Canção do Amor Imprevisto



Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

Mário Quintana

domingo, 15 de novembro de 2009

Sem Você


Hoje estou aqui sem você, sem seus carinhos
Tão triste sem esperança na vida
Simplesmente sozinho

Sei que não faço mais parte de seu mundo
Que não significo mais nada, simplesmente nada...
Mas meus pensamentos voam sempre a você a todo segundo

O tempo ta passando e eu não consigo encontrar a saída
É como se estivesse preso a um labirinto
Depois que você saiu da minha vida

O meu desejo quer você agora
Aqui pertinho de mim
Venha correndo, vem de pressa, sem demora...

Pois quando você voltar toda essa tristeza terá fim
O sol terá mais brilho
Depois que você voltar pra mim

Jonas Melo

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Exaltação do Amor


Sofro, bem sei... Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar... colher a flor...

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor... com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...

Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor!

Se esse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!


J.G. de Araújo Jorge

sábado, 7 de novembro de 2009

É ela! É ela! É ela! É ela!



É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! Que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
Oh! de certo... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela... que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores...
Tremi de febre!
Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio...
É ela! É ela! - repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! Meu Deus! Era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas
Se achou-a assim mais bela - eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camizinhas!
É ela! É ela! meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou - é ela!


Álvares de Azevedo

Ausência


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Desatinos

Dizes que sou uma estrela,
Que ando distante!
Sim! Eu sei que sou!
Mas, como a luz das estrelas,
Minha luz chega até você...
Talvez ela não te aqueça o corpo
Mas, certamente, te ilumina o caminho!
Tem coisas de mim que desconheces...
Dizem que não sou de confiança,
Não me importo com isto!
Eu apenas sou calado
E o meu silêncio pode ser
interpretado de várias formas...
Não me importo com o que dizem
ou pensam de mim.
Eu apenas sou o que sou!
Não preciso provar nada a ninguém!
Se quiseres me amar, ama
Mas me ame como sou...
Não me queiras ter como desejas
que eu seja,
assim eu não estarei livre...
e, preso, serei como um pássaro cativo,
esquecerei meu canto,
Deixarei de ser eu e não serei ninguém...
Se me amas, como dizes,
Me aceita como sou...
Não sou igual a ninguém,
Nem melhor, nem pior...
Apenas sou eu, nada mais!
E te amo!
Te amo do meu jeito,
Porque é impossível não te amar,
Porque aceito você do jeito que és,
Não importam teus medos,
Eles também são meus..
O que realmente importa é o amor
que nos une.
Somente isto faz sentido,
Nada mais.


Eduardo Baqueiro



Amor, que o gesto humano na alma escreve



Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faíscas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoudece, se cuida que é verdade.

Olhai como Amor gera, num momento
De lágrimas de honesta piedade,
Lágrimas de imortal contentamento.

Luís de Camões

domingo, 1 de novembro de 2009

O tempo passa ? Não passa


O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.



Carlos Drummond de Andrade

O amor antigo



O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o amor antigo, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
Carlos Drummond de Andrade