quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Encontro




Desde o tempo sem número em que as origens se elaboram,
se estendem para mim os seus braços eternos,
que um estatuário de caminhos invisíveis
construiu com a cor e o frio e o som morto de mármores,
para que em teu abraço haja imóveis invernos.

Tu bem sabes que sou uma chama da terra,
que ardentes raízes nutrem meu crescer sem termo;
adestrei-me com o vento,e a minha festa é a tempestade,
e a minha imagem,como jogo e pensamento,
abre em flor o silêncio,para enfeitar alturas e ermo.

Os teus braços que vêm com essa brancura incalculável
que de tão ser sem cor nem se compreende como existe
-são os braços finais em que cedem os corpos,
e a alma cai sem mais nada,exausta de seu próprio nome,
com uma improvável forma,um vão destino e um peso triste.

Pois eu,que sinto bem esses teus braços paralelos,
na atitude sem dor que é o rumo e o ritmo dessa viagem,
digo que não cairei com uma fadiga permitida,
que não apagarei este desenho puro e ardente
com que,de fogo e sangue,foi traçada a minha imagem.

Eu ficarei em ti,mísera,inútil,mas rebelde,
última estrela só,do campo infiel aos seus escassos.
E tu mesma achará pasmos de lagos e areias,
diante da forma exígua,sustentada só de sonho,
mantendo chama e flor no gelo dos teus braços.

Cecília Meireles

sábado, 3 de setembro de 2011

Ainda que mal



Ainda que mal pergunte, 
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda, 
ainda que mal repitas; 
ainda que mal insista, 
ainda que mal desculpes; 
ainda que mal me exprima,
 ainda que mal me julgues; 
ainda que mal me mostre,
 ainda que mal me vejas; 
ainda que mal te encare, 
ainda que mal te furtes; 
ainda que mal te siga, 
ainda que mal te voltes; 
ainda que mal te ame, 
ainda que mal o saibas; 
ainda que mal te agarre, 
ainda que mal te mates; 
ainda assim te pergunto 
e me queimando em teu seio,
 me salvo e me dano: amor.
Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 12 de julho de 2011

Quero



Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.


Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?


Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.


Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.


No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.


Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.
Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Soneto 17


Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.



William Shakespeare

domingo, 22 de maio de 2011

A Língua Lambe




A língua lambe as pétalas vermelhas

da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Niña morena y ágil, el sol que hace las frutas (Poema 19)




Niña morena y ágil, el sol que hace las frutas,
el que cuaja los trigos, el que tuerce las algas, 
hizo tu cuerpo alegre, tus luminosos ojos
y tu boca que tiene la sonrisa del agua.

Un sol negro y ansioso se te arrolla en las hebras
de la negra melena, cuando estiras los brazos. 
Tú juegas con el sol como con un estero
y él te deja en los ojos dos oscuros remansos.

Niña morena y ágil, nada hacia ti me acerca.
Todo de ti me aleja, como del mediodía. 
Eres la delirante juventud de la abeja, 
la embriaguez de la ola, la fuerza de la espiga.

Mi corazón sombrío te busca, sin embargo,
y amo tu cuerpo alegre, tu voz suelta y delgada. 
Mariposa morena dulce y definitiva,
como el trigal y el sol, la amapola y el agua.
Pablo Neruda

terça-feira, 17 de maio de 2011

O Gondoleiro do Amor




Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.

Tua voz é cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento.

E como em noites de Itália
Ama um canto o pescador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.

Teu sorriso é uma aurora
Que o horizonte enrubesceu,
— Rosa aberta com o biquinho
Das aves rubras do céu;

Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.

Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;

Como é doce, em pensamento, 
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?

Teu amor na treva é — um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa — nas calmarias,
É abrigo — no tufão;

Por isso eu te amo, querida
Quer no prazer, quer na dor...
Rosa! Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor.

Antônio Frederico de Castro Alves

Cecília Meireles

Poetisa brasileira, nasceu no Rio de Janeiro em 7 de janeiro de 1901. Em 1910, concluiu o curso primário e, sete anos depois diplomou-se professora primária e passou a desenvolver intensa atividade como educadora. Estudou também línguas, canto, violino. Aos dezoitos anos lançou o livro de poemas Espectros, pelo qual recebeu elogios da crítica especializada. Em 1934 organizou a primeira biblioteca infantil do país. Em 1935 foi nomeada professora de Literatura Luso-brasileira e, depois, de Técnica e Crítica Literária na Universidade do então Distrito Federal. Cecília Meireles faleceu no dia 9 de novembro de 1964, em pleno apogeu de sua atividade literária. Recebeu, post mortem, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. De fina espiritualidade, sua poesia, sem deixar de ser moderna, mergulha raízes nas essências do simbolismo, caracterizando-se, no plano formal, pela riqueza de recursos estilísticos. Obras principais: Viagem (1938); Vaga música (1942); Mar absoluto (1945); Romanceiro da Inconfidência (1953); Solombra (1964).

Reativação do Blog


Olá amigas e amigos,
o Blog passou por uns problemas mas já está de volta.
O romantismo voltou com mais força.
Desfrutem desse mar de sentimento que são os Poemas de Coração ♥

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Querer

Não te quero senão porque te quero
E de querer-te a não querer-te chego
E de esperar-te quando não te espero
Passa meu coração do frio ao fogo.
Te quero só porque a ti te quero,
Te odeio sem fim, e odiando-te rogo,
E a medida de meu amor viageiro
É não ver-te e amar-te como um cego.
Talvez consumirá a luz de janeiro
Seu raio cruel, meu coração inteiro,
Roubando-me a chave do sossego.
Nesta história só eu morro
E morrerei de amor porque te quero,
Porque te quero, amor, a sangue e a fogo.
Pablo Neruda 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Soneto do Amor Total


Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante

E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde

É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinícius de Moraes

domingo, 16 de janeiro de 2011

O Teu Riso




Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Memórias

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade